As perturbações de internalização como a depressão e ansiedade são cada vez mais comuns, com 4,4% e 3,6% da população mundial a receber diagnósticos nessas áreas respetivamente. Isso faz da depressão o maior contributo para a deficiênia global, enquanto a ansiedade o sexto (WHO, 2017).
A infânica e adolescência são as fases centrais de risco para o desenvolvimento de sintomas e síndromes de ansiedade que podem variar de sintomas leves e temporários a perturbações de ansiedade (Beesdo et al., 2009). A ansiedade é um dos problemas de saúde mental mais comum, afetando criança e adolescentes (Costello et al., 2005) e pode resultar no funcionamento posterior debilitante se não for tratada (Essau et al., 2014; Woodward e Fergusson, 2001).
Portugal é um dos países da Europa com os índices mais elevados de doença mental (23%), sendo a mais comum a ansiedade (16.5%) (Direcção Geral da Saúde, 2013). A par deste indicador, a investigação aponta para uma correlação significativa entre a ansiedade, em particular a de desempenho, com a insatisfação com a escola, com as reprovações académicas (Janeiro, 2013) e, consequentemente, com os indíces de insucesso escolar.
Durante a infância a ansiedade surge como uma experiência transitória e adaptativa que permite a adaptação a situações novas, inesperadas ou consideradas perigosas (Rosen & Schulkin, 1998). Tal como mencionado anteriormente, é possível que crianças que tenham experenciado ansiedade na infância, tenham maior probabilidade de desenvolver perturbações depressivas ou outras psicopataologias na vida adulta, capazes de influenciar o desenvolvimento académico, familiar, social e emocional (Gonçalves & Hedt, 2009; Wilson, Pritchard, & Revalee, 2005).
O medo é uma emoção básica que tem uma função adaptativa ao longo do desenvolvimento da espécie humana. Essa função é a de nos proteger de eventuais perigos com respostas do ponto de vista psicológico e biológico, para enfrentar determinadas situações, pessoas ou objetos. É uma resposta natural a um estímulo físico ou imaginado que pode estar a colocar o bem-estar ou a segurança da criança em perigo. Portanto, as emoções possuem mecanismos automáticos de avaliação que permitem ao ser humano monitorizar de forma continuada o contexto à sua volta e detectar quando uma ameaça ao bem-estar ou à sobrevivência pode ocorrer (Ekman, 2003).
Os medos funcionam como tarefas desenvolvimentais, tendo estes como objetivo colocar a criança diante de uma situação específica a ser ultrapassada no sentido de promover a autonomia e desenvolvimento emocional (Baptista, 2000). Sendo assim, é importante que a criança enfrente os seus medos:
Ainda de acordo com os mesmo autor, os medos desenvolvimentais mais comuns dos 2 aos 6 anos, transversais a várias culturas e civilizações são:
– medo do escuro; animais em geral; de ficar sozinho; de seres imaginários (monstros, fantasmas); pessoas mascaradas (carnaval, pai natal); perda/separação prolongada dos pais; dos “maus”, ladrões.
Os medos desenvolvimentais mais comuns dos 6 anos ao 11 anos são:
– medo de acontecimentos sobrenaturais; de feridas; do sofrimento físico; da morte; de aspetos escolares.
O pico de incidência ocorre aos 11 anos, decrescendo a partir dessa idade.
O medo pode evoluir para uma situação generalizada, recorrente ou especialmente assustadora, que comprometa o desempenho da criança. Podemos dizer que as crianças com ansiedade possuem preocupações ou medos exagerados com a saúde ou desempenho em testes, agressão física, problemas com os pares, hipersensibilidade aos sinais de perigo, comportamentos de evitamento, entre outros (Layne, Bernart, Victos & Bernstein, 2008; Pina, Silverman, Alfano & Saavedra, 2002; Caíres & Shinohara, 2010). Os sintomas ansiógenos têm consequências negativas para a criança pois, prejudicam a sua autonomia e autoestima, o seu desempenho escolar, as suas interacções sociais, aumentando o isolameto social, que por sua vez aumenta a probabilidade destas crianças serem excluídas. Salientam-se que níveis de ansiedade elevados em testes e outras atividades escolares resultam na diminuição do rendimento académico e até numa recusa em ir à escola (Beidel, Turner & Morris, 1999; Caíres & Shinohara, 2010; Castillo, Recondo, Asbahr & Manfro, 2000; Filho & Silva, 2013; Janeiro, 2013; Vianna, Campos & Landeira-Fernandez, 2009). É importante que a criança aprenda a não se deixar dominar pelos medos, de forma a criar oportunidades para que desenvolva as competências necessárias para enfrentar e dominar as situações temidas. Ekman (2003) menciona que não temos controlo sobre aquilo em que nos tornamos emocionalmente, mas podemos realizar pequenas mudanças na forma como as nossas emoções são activadas e no modo como agimos emocionalmente.
A melhor maneira de os pais ajudarem os filhos a lida eficazmente com o medo é motivá-los a enfrentarem as situações que o desencadeiam. A promoção da autonomia e o ensino da resolução de problemas, que passa pelo confronto com essas situações, são também estratégias importantes para que os medos não assumam dimensões patológicas.
Referências Bibliográficas
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